Olokun é um documentário em desenvolvimento pela Bombozila Produções Audiovisuais que investiga a profunda relação entre o mar e as comunidades afrodescendentes do Rio de Janeiro, herdeiras da história do tráfico transatlântico de africanos escravizados. O filme se inspira no conceito das kalungas e kilombos para abordar o mar como um espaço sagrado, fonte de sustento e guardião de memórias ancestrais, conectando vidas e histórias de resistência.

A narrativa destaca pescadores e coletores que preservam práticas tradicionais, mergulhadores que buscam nos naufrágios de navios negreiros fragmentos de identidade e praticantes de religiões de matriz africana que transformam o mar em um altar espiritual. Essas histórias revelam como cultura e oralidade seguem como ferramentas de resistência na proteção de territórios e tradições.

Olokun Olokun está em fase de captação de recursos para produção e filmagem. Sua etapa de desenvolvimento foi realizada pela Bombozila Produções Audiovisuais é apresentado pelo Governo Federal, Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através da Lei Paulo Gustavo. Para apoiar ou saber mais, entre em contato pelo formulário.

Kalunga - As Águas Profundas

Para os povos bantus e suas cosmologias, o mar possui uma ligação direta com a Kalunga, o limite entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Na visão ancestral, a Kalunga é o ponto de passagem para o além, simbolizando a conexão com os ancestrais e a transcendência espiritual. Durante a travessia forçada do Atlântico, esse conceito foi ressignificado, tornando o oceano um território de morte e dor, mas também de retorno espiritual às origens. As águas profundas passaram a representar a Kalunga grande, um espaço onde os que não sobreviveram à travessia encontraram seu destino final, em um ciclo de despedida e ancestralidade.

O mar, na cosmovisão bantu, carrega o simbolismo da morte não apenas como fim, mas como transformação e continuidade. Ele é visto como um portal, um lugar de passagem entre dimensões, reforçando a relação íntima entre vida, morte e espiritualidade. Para os descendentes da diáspora africana, o mar é, portanto, um espaço sagrado de reverência e memória, onde se homenageiam os que partiram, reafirmando os laços com a ancestralidade e ressignificando o sofrimento como resistência e força espiritual. Essa dualidade – o mar como morte e como portal de conexão – é central para compreender o papel das águas na espiritualidade bantu e afrodescendente.

Cosmograma Bakongo, símbolo espiritual e cultural dividido em quatro quadrantes.

O Cosmograma Bakongo representa as fases do ciclo da existência,entre concepção, nascimento, vida e morte. Nesse ciclo, a Kalunga separa o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, essa linha é considerada a divisão entre o mundo dos ancestrais e o mundo dos vivos, que coexiste conosco em fases contrárias do sol.

Kilombos - Resistência e Autonomia

Os kilombos brasileiros são símbolos de resistência e liberdade, formados por africanos escravizados e seus descendentes que fugiram do sistema colonial opressor para criar comunidades autônomas. Esses territórios foram mais do que refúgios: tornaram-se espaços de organização social, cultural e espiritual, onde tradições africanas eram preservadas e reinventadas. Desde a era colonial, os kilombos representavam uma ameaça ao regime escravagista, desafiando diretamente a estrutura de poder ao lutar por autonomia, dignidade e o direito à existência.

Mesmo após a abolição formal da escravidão, em 1888, a luta dos kilombolas não cessou. O racismo estrutural e a exclusão social continuaram a ameaçar suas terras e modos de vida. A luta por reconhecimento e reparação histórica é uma forma de exigir justiça pelos séculos de exploração e violência. O reconhecimento legal de seus territórios, previsto na Constituição de 1988, é um passo crucial, mas ainda insuficiente, diante das disputas fundiárias e da lentidão do Estado em demarcar e proteger esses espaços.

Hoje, os kilombos continuam sendo centros de resistência cultural e política, onde a memória ancestral é transmitida e as lutas contemporâneas ganham força. Além de defender seus territórios, as comunidades kilombolas atuam para preservar suas tradições, reafirmar sua identidade e exigir reparações pelos danos históricos sofridos. Sua luta não é apenas por terra, mas por dignidade, respeito e reconhecimento de sua contribuição indispensável à formação do Brasil.